segunda-feira, 26 de maio de 2008

poema "O velho, o rapaz e o burro"

Hoje decidimos colocar um lindo poema do "Velho, o rapaz e o burro" de Marco Semedo
Autor: Marco Semedo

O Velho, o Rapaz e o Burro

O Mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado:
Encontra uns homens que dizem:
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé."
"Tapemos a boca ao mundo",
O velho disse: "Rapaz,
Desde do burro, qu'eu monto,
E vem caminhando atrás."
Monta-se, mas dizer ouve:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho,
E o pobre pequeno à pata."
"Eu me apeio", diz prudente
O velho de boa-fé,
"Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé."
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
"Toleirões, calcando lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
"Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado:
"Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu."
"Vamos ao chão", diz o velho,
"Já não sei qu'ei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.
É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé:
De tudo me têm ralhado,
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos inda mais esta."
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!",
Ouvem com grande sussurro,
"Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!"
O velho então pára e exclama:
"Do qu'observo me confundo!
Por mais qu'a gente se mate
Nunca tapa a boca ao mundo.
Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições;
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações."

2 comentários:

joaquim batista disse...

Parabens por terem publicado este célebre poema, que li pela 1ª. vez em 1950, aos 11 anos de idade , e de repente decorei. Os 2 livros "Leituras de Virgilio Couto", um para o 1º. e outro para o 2º. ano do antigo, mas sempre louvado, Ciclo Preparatório, eram encantadores, não fosse o seu autor um dos grandes mestres da didáctica.
Hoje, aos 80, já sem a memória daqueles tempos, veio-me à idéia o poema, mas já só saía em pedaços, razão porque sorri ao vê-lo surgir no v/blogue. Nesses 2 Livros encontrarão muito material a carrear para o blogue.

"didacta", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/didacta [consultado em 27-01-2020].

Unknown disse...

Eu tenho 77 anos e decorei os versos muito jovem, já não sei todos os versos de cor mas seios quase todos,julgo que o seu autor foi Miranda Corvo.